7 de abr. de 2012

Já vi esse título em algum lugar!




Por José Carlos Fineis


É difícil pedir para alguém: seja criativo. Parece tão inócuo quanto dizer a um guitarrista: sole como o David Guilmour. Ou a um jogador de futebol: dê passes como o Ademir da Guia. Quero dizer que, em grande medida, ser original é um talento, que não se pode impor às pessoas, pois nem toda a boa vontade do mundo fará com que elas sejam o que não são. Entretanto, naquilo que a originalidade depende apenas de suor e esforço, devemos persegui-la, e uma regra possível na correria diária poderia ser resumida da seguinte maneira: se você não consegue fazer algo fabuloso (um título de artigo, por exemplo), pelo menos procure não ser igual a todo mundo.

A citação do título de artigo como exemplo não é aleatória. Na verdade, é o motivo de ter escolhido este assunto. Na semana passada, redigi um artigo de jornal sobre o escândalo que envolveu o senador Demóstenes Torres e o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Com poucas exceções, quando a luzinha do título acende antes, costumo fazer o título depois do texto, pois geralmente algum trecho ou expressão do próprio texto acaba sugerindo naturalmente a linha do título. Neste caso, depois de escrever sobre os muitos contatos do bicheiro na política, o título que me veio à cabeça, quase que automaticamente, foi “Todos os homens de Cachoeira”, numa menção ao filme de Alan J. Pakula sobre o Watergate, All The President's Men.

Meu pecado foi não ter rejeitado essa primeira e sedutora ideia, que no momento não me pareceu tão óbvia. Trocadilhos com títulos de filmes, romances e peças de teatro são um recurso frequente dos articulistas e, geralmente, resultam boas soluções. Neste caso, porém, havia indícios de que a originalidade poderia ficar comprometida. “Todos os homens..." tornou-se uma citação clássica na imprensa brasileira. Nos anos 1990, um livro de Gustavo Krieger, Luiz Antonio Novaes e Tales Faria, sobre a ascensão e queda do ex-presidente Collor de Mello, recebeu o título de “Todos os Sócios do Presidente”. Pensando bem, a referência era previsível.

Tanto era, que não fui o único a recorrer a ele. Desconfiado de que poderia não ter sido muito original, busquei o título entre aspas no Google (depois da publicação) e surgiram 2.830 resultados. A maior parte desses milhares de links (acho que uns 99,9%) refere-se ao artigo de Catia Seabra e Fernando Mello, publicado pela Folha de S. Paulo na mesma data do meu (2/4) e reproduzido em blogues, sinopses e clippings por todo o Brasil. Meu texto foi republicado em alguns lugares e ajudou modestamente a inflar o número de resultados. Um consolo: no Google Notícias, só apareceu meu artigo. Sinal de que não era tão evidente assim.

Sei que a conclusão é um tanto óbvia, mas para evitar que o leitor tenha a sensação de estar lendo um jornal do ano passado, é preciso rejeitar sempre as primeiras sugestões que o cérebro apresenta. Alguns títulos são tão repetitivos que é incrível que ainda não tenham sido descartados. “Tragédia anunciada” é um deles (com a variação que também se tornou clássica, “Crônica de uma tragédia anunciada”). Outros que aparecem com frequência: “A pátria de chuteiras”. “Negócio da China”, “A bola da vez”, “Hora da verdade”, “Fogo cruzado”. Hoje está se alastrando na imprensa uma tendência de chamar a presidente Dilma Rousseff de dama de ferro, numa alusão à forma como a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher ficou conhecida. Esse, juro que não vou usar...

Nem sempre temos tempo e neurônios suficientes para criar títulos geniais, depois de um dia de trabalho pesado, de muitas pesquisas e de tentar sintetizar problemas econômicos, políticos ou sociais complexos em 3.700 toques. Mas devemos amarrar um barbante no dedo para lembrar de desconfiar sempre das ideias que surgem "naturalmente", como soluções prontas e acabadas. Rejeitar a primeira opção, pensar mais um pouco, rever o texto para encontrar possíveis expressões que possam ser “puxadas” para o título, são exercícios necessários, sempre. E, quando o título genial não vem, lembrar que a simplicidade é sempre uma opção honrada. Na falta de um título ultracriativo e bem bolado, é melhor ser despojado e evitar a tentação do lugar-comum.