13 de out. de 2018

O debate presidencial é possível (basta ter boa vontade e aceitar que o ótimo é inimigo do bom)



Se nós fizemos, com uma câmera apenas e recursos limitadíssimos na época, tenho certeza de que a Globo, a Record, a Band, o SBT também conseguem.


Por José Carlos Fineis


Eleição precisa de debate. 

O eleitor tem o direito e a necessidade de saber o que os candidatos pensam sobre assuntos importantes de governo e sociedade.

Compreendo que um dos candidatos esteja limitado fisicamente para comparecer a um estúdio, ficar horas em pé, submeter-se ao estresse tremendo que uma confrontação direta com o adversário representa.

No entanto, com criatividade, tecnologia e boa vontade, pode-se fazer o debate de maneira diferente, respeitando-se as limitações físicas do candidato.

É claro que o resultado não será o mesmo, porque perde-se a oportunidade de réplica e tréplica. Mas o ótimo é inimigo do bom. E o bom é melhor do que nada.

Pode-se definir uma pauta comum de perguntas, e designar duas equipes de jornalistas e técnicos para comparecerem, no mesmo horário, aos locais em que os candidatos estiverem, a fim de gravar as perguntas e as respostas, observando-se critérios rígidos de tempo.

Tudo isso, claro, sob a fiscalização de observadores de ambos os partidos.

Obviamente, os candidatos terão apenas uma chance de responder, e as perguntas serão, posteriormente, publicadas na íntegra.

Com um pouco mais de sofisticação, pode-se introduzir um bloco de perguntas entre os candidatos, definindo-se, por exemplo, que as perguntas de um candidato ao outro sejam encaminhadas pelos assessores às equipes responsáveis por colher as respostas, apenas dez minutos antes do horário marcado para as entrevistas (evita-se assim qualquer risco de vazamento e preparação prévia de respostas por assessores).

Em 1996, quando este escriba, a Sandra Nascimento e o Werinton Kermes produzíamos o programa "Extra! A Revista de Sorocaba na TV", os então candidatos Renato Amary e José Antônio Caldini Crespo negavam-se a debater entre si.

Nós então reunimos um grupo de jornalistas da área cultural, que era nosso foco, pedimos emprestado o auditório da saudosa Oficina Grande Otelo, e convidamos os candidatos para duas rodadas de entrevistas no mesmo dia, em horários diferentes. 

As regras eram simples e transparentes, e foram aceitas pelos candidatos. 

As mesmas perguntas, feitas pelos mesmos jornalistas. Só uma chance de responder. Tempo limitado para as respostas.

Depois editamos, sem cortar nada: a pergunta, a resposta de um, a resposta de outro.

Produzimos dessa forma uma espécie de debate virtual, e com isso abrimos a oportunidade de cada candidato expor suas opiniões e propostas para os temas abordados.

Se nós fizemos, com uma câmera apenas e recursos limitadíssimos na época, tenho certeza de que a Globo, a Record, a Band, o SBT também conseguem.

Se precisarem de uma forcinha, podemos ajudar, pois já temos know-how no assunto.

O que não pode é simplesmente não haver debate. 

O eleitor vai escolher baseado em quê? Em meia dúzia de palavras escritas por marqueteiros? Em memes e fake news espalhados pelas redes sociais? Em jingles bonitos e fotos dos candidatos abraçando criancinhas?

Ainda há tempo de acabar com esse impasse e proporcionar aos eleitores brasileiros a informação de que eles necessitam para votar conscientemente.

A fórmula está aí. Basta usá-la. Ninguém, como já se pôde constatar, está debilitado demais que não possa dar uma entrevista de duas horas no máximo.

O ótimo é inimigo do bom.

Se não dá pra fazer em estúdio, faça-se como as circunstâncias permitirem. Mas faça-se, porque eleição sem debate é eleição fake, fajuta, conduzida.

Debate já!

Debate agora!

Que os candidatos falem livremente o que e como pretendem fazer para entregar aos brasileiros aquilo que prometem.


(Foto: Pixabay)



1 de out. de 2018

A história de como o PSDB abriu mão de entrar no palácio pela porta da frente e colocou Bolsonaro e o PT no segundo turno


Não tinha dúvidas de que seria muito mais inteligente os tucanos esperarem dois anos para vencer as eleições (talvez com facilidade, pois eram então o polo oposto do PT) e receberem a faixa presidencial em um dia ensolarado de Brasília, com aviões da esquadrilha da fumaça a cruzar o céu e música de banda a encher o ar -- e subirem a rampa do Palácio do Planalto com passos dignos, para ingressar no poder pela porta da frente

Por José Carlos Fineis(Revisto e ampliado em 3/10/2018)

Escrevo a uma semana das eleições e acredito que muita coisa pode acontecer nos próximos dias. Até mesmo o candidato Ciro Gomes (PDT) ultrapassar Jair Bolsonaro (PSL) e ir para o segundo turno contra Fernando Haddad (PT). Ou ultrapassar Haddad e enfrentar Bolsonaro no segundo turno.

Antes de prosseguir, preciso alertar que nunca acerto previsões. Achei que Trump não ganharia, ganhou. Achei que não dariam o impeachment em Dilma, deram. Achei que não condenariam Lula por causa do tríplex, condenaram. Aqui que na minha cidade (Sorocaba, interior de São Paulo) o então candidato a prefeito José Crespo não se elegeria, se elegeu. Achei que o PSDB não confiaria em Temer para governar o país, confiou. Achei que os tucanos não iriam para o governo Temer, foram. Achei que Temer cairia quando o escândalo da JBS veio à tona, não caiu. Achei que Cunha jamais seria preso, foi. Enfim. Não tenho bola de cristal. E talvez meu defeito seja analisar a política pela ótica da coerência, quando o que mais falta à política é coerência.

Apesar de não ser nenhuma Mãe Diná, no entanto, preciso deixar registrado, neste momento, que alguma coisa eu antevi com clareza dois anos atrás – e isso tudo está se concretizando agora. Em agosto de 2016, quando o Congresso tirou do poder Dilma Rousseff, eu tive uma antevisão do futuro e vi a história dos anos seguintes se desenrolar diante dos meus olhos. É essa história que escrevo agora. A história de como o PSDB, em sua ânsia infantil de chegar ao poder, abriu mão de entrar no palácio pela porta da frente, e colocou Fernando Haddad e Jair Bolsonaro no segundo turno em 2018.

Quando começaram a falar em impeachment da Dilma, eu, que não me considero especialista em política, mas sou obrigado a pensar em política devido a meu trabalho, considerei com vários colegas:

– Por que fariam isso? O governo Dilma não está indo bem. A popularidade dela despencou. O desemprego está aumentando. Por que não esperariam dois anos para vencê-la nas urnas, legitimamente? Não acredito que vão tirá-la agora e jogar o país numa aventura, nas mãos do Michel Temer, que todos sabem ser um político fisiológico, que sempre fez da política um balcão de negócios! Eles (os tucanos) só vão se queimar se fizerem isso.

Na minha forma de ver, eu acreditava que seria mais proveitoso para os tucanos deixarem Dilma desidratar com a crise, e construir um discurso baseado nos erros da política econômica do PT. Não tinha dúvidas de que seria muito mais inteligente os tucanos esperarem dois anos para vencer as eleições (talvez com facilidade, pois eram então o polo oposto do PT) e receberem a faixa presidencial em um dia ensolarado de Brasília, com aviões da esquadrilha da fumaça a cruzar o céu e música de banda a encher o ar -- e subirem a rampa do Palácio do Planalto com passos dignos, para ingressar no poder pela porta da frente.

Esse seria, aos olhos de qualquer pessoa que não estivesse enlouquecida pela ideia do poder instantâneo, o desenrolar natural dos fatos. E mesmo que Lula tentasse se candidatar, o PT provavelmente estaria tão desgastado com a crise – e o fantasma da crise, fortalecido diuturnamente pela Globo, Globonews, Estadão, Época, Veja e IstoÉ – que o candidato tucano teria grandes chances, pela primeira vez desde FHC, de ser eleito presidente, e assumir para um mandato legitimamente conquistado.

O que se viu foi o contrário. Optou-se pelo impeachment, que para muitos foi um golpe, e, para meu maior espanto, José Serra, Aloysio Nunes e companhia bela não só apoiaram Temer em sua investida pirata para tomar o poder como embarcaram em seu governo, assumindo ministérios. Sinistros, entraram no governo pela porta dos fundos, num dos capítulos mais constrangedores da história desse partido.

(Aqui é bom abrir um parêntese para que eu expresse minha opinião sobre um fato que julgo relevante. Dizem os antipetistas que foi o PT quem fez de Temer vice. Isso é fato. Mas quem fez de Temer presidente foi o PSDB, aliado ao que existe de mais radical na direita – ressuscitada com o MBL e afins – e ao que existe de mais fisiológico no Congresso.) Ponto, parágrafo.

Fez-se a ruptura, dentro da lei, como dizem. Uma presidente eleita foi deposta por um negócio (pedaladas fiscais) que, em outra conjuntura política, valeria quando muito um puxão de orelhas do Tribunal de Contas da União. Tivemos dois anos de governo ultrajante, o mais desastroso e impopular da história. A pauta patronal, ditada pela Fiesp, tornou-se prioridade nacional. Votou-se a Reforma Trabalhista sem discussão alguma com a sociedade. Metade dos amigos de Temer estão presos; ele próprio e a outra metade resistem porque ainda têm o controle do Congresso e foro privilegiado. 

É até estranho que alguns tucanos se digam arrependidos por terem embarcado nessa aventura. Arrependimento a gente sente quando faz algo que não imagina que vai dar errado. A autocrítica do ex-presidente do partido, Tasso Jereissati, não tem nada de novo além do fato de que alguém do PSDB, finalmente, assumiu o erro. Diante do fiasco do governo Temer, alguns tucanos pediram para ir ao WC e não voltaram mais. Serra teve dores nas costas. Outros estão lá até hoje, ao lado de figuras suspeitas como o Gato Angorá, terminando de sujar suas já enlameadas biografias.

Aécio caiu em desgraça por um desses acidentes de percurso. Seria a vez do Serra ser o presidente. O sonho de uma vida inteira poderia se realizar, por fim. Mas cadê Serra? Está na moita, esperando que o Supremo arquive o inquérito sobre os vinte e tantos milhões que recebeu a título de “caixa dois”. E, mesmo que não estivesse denunciado, seu partido não teria, como se diz, musculatura para correr os 100 metros com barreiras da campanha eleitoral.

Abriu-se um vácuo de legitimidade no poder. Jair Bolsonaro, com seu jeitão de colega pateta que todo mundo tem – aquele que fala bobagem pelos cotovelos, conta piadas sujas e todo mundo gosta porque é meio néscio e ninguém leva a sério –, ocupou o espaço espertamente, apresentando-se como o primeiro e único antipetista, que não só vai consertar os problemas do país mas também os que ele imagina que existem na nossa família. E muitos o abraçaram, ou porque se identificaram com ele, ou porque acreditaram em suas promessas, ou porque veem nele alguém capaz de afastar o risco de um novo governo petista.

Lembrem-se: o polo oposto de Lula e do PT, pelo transcorrer natural dos fatos (sem impeachment, com Dilma governando até o fim), seriam os tucanos. Foi assim desde 1994. Em nenhuma outra circunstância histórica, senão nessa conjunção muito particular de fatores, Bolsonaro deixaria de ser o tradicional bufão do baixo clero do Congresso para se tornar um candidato a presidente levado a sério.

Neste momento, vejo um Alckmin tentando desesperadamente colocar-se como o único capaz de vencer Haddad no segundo turno, quando na verdade, se existe alguém com possibilidades de ultrapassar Bolsonaro ou Haddad na reta final, é Ciro Gomes, e olha lá. Os próprios tucanos já desistiram de sua candidatura. 

Vejo a Globo dando destaque para o #elenão e a Veja publicando dossiês secretos sobre Bolsonaro. Seria por amor ao jornalismo ou porque as pesquisas constataram que Bolsonaro pode não bater Haddad no segundo turno, e se apavoram com a perspectiva de terem de engolir um novo governo petista?

Acredito que o Brasil, hoje, divide-se em duas grandes forças políticas: o PT e os que são contra o PT. Se os votos do Bolsonaro forem compostos por dois terços de pessoas que votam nele, e não contra o PT, talvez seja muito. O antipetismo arraigado é mais forte que o bolsonarismo. O mais provável é que dois terços sejam de antipetistas e um terço, de eleitores incondicionais do ex-capitão.

Agora, façamos um exercício matemático. Diante da possibilidade de vitória de Haddad no segundo turno, pelo menos metade dos eleitores de Bolsonaro – os antipetistas -- pode debandar, já no primeiro turno, para o candidato que tiver mais condições de vencer Haddad. E o voto útil, neste caso, tem nome: Ciro Gomes. Que está longe de representar a direita, mas pelo menos não é do PT.

O mesmo voto útil pode migrar no sentido contrário, para Ciro, se eleitores de Haddad porém não petistas incondicionais desconfiarem que ele tem menos chances que o petista de bater Bolsonaro.

Está é uma medição de forças entre os que rejeitam Bolsonaro veementemente e os que não admitem o PT de volta ao poder. Então, os eleitores tendem a votar no primeiro turno pensando no segundo. Será uma votação extremamente pragmática e movida a repulsa, mas que a paixão.

O voto útil antiPT poderia ser de Alckmin, se ele não fosse tucano, ou se os tucanos não tivessem embarcado no sonho delirante de chegar ao poder via impeachment e via Temer. A maldição toda da crise, que estava nas mãos de Dilma e pelo rumo natural das coisas reduziria a quase nada a força eleitoral do PT -- até porque a oposição minou seu segundo mandato com pautas-bomba e praticamente travou seu governo --, foi assumida festivamente pelo PSDB, naquele momento de votos "sim" com bandeiras do Brasil nas costas, de cartazes com a frase “adeus, querida”, de panelaços nas varandas gourmet, enfim: aquele momento de ruidosa ruptura com a ordem institucional, em que se abriu a caixa de Pandora e todos os males se espalharam pelo Brasil, contaminando em primeiro lugar os que estavam mais perto dela, aqueles justamente que a abriram.

Talvez eu esteja errado. Talvez minha previsão não se concretize. Talvez Bolsonaro vá para o segundo turno e perca para Haddad. Ou talvez Bolsonaro vá para o segundo turno e, com as forças antipetistas reunidas em torno de si, vença Haddad.

Mas, passando em revista minhas premonições de 2016, durante a fase do impeachment, vejo que tive alguma clarividência em muito do que percebi que ocorreria, e de fato ocorreu:

• Achava que Temer não era confiável e que não devia ser apoiado pelos tucanos. Realmente, não era e não devia.

• Acreditava que o PSDB perderia credibilidade e espaço político se ingressasse no governo Temer, e de fato perdeu.

• Acreditava que Temer faria um péssimo governo, o que só aumentaria as chances de o PT se recompor e voltar com força em 2018. Temer fez um governo sofrível e o PT aí está, com vaga no segundo turno.

• Acreditava que a ruptura com a ordem institucional, representada pelo impeachment (ainda que amparada em filigranas jurídicas), abriria caminho para outras rupturas de toda a ordem, e as decisões posteriores do Tribunal Superior Eleitoral sobre os crimes eleitorais de Temer (em ação movida pelo PSDB), o indulto do Supremo Tribunal Federal a Aécio Neves, que continua senador apesar de flagrado em constrangedor pedido de propina, a compra de votos dos congressistas por Temer, para negar ao Supremo autorização para processá-lo, aí estão para provar que, de alguma maneira, eu tive uma antevisão da desordem toda que sobreviria.

Poderia dizer que também previ o surgimento de um candidato messiânico, um suposto outsider no estilo de Bolsonaro, com um discurso forte contra “tudo o que está aí”, mas isso era tão óbvio que não precisaria ser especialista nem vidente para antever.

Essa é a história resumida, segundo minha versão que é apenas uma entre muitas outras, sobre como o PSDB de Fernando Henrique, José Serra, Geraldo Alckmin, Aloysio Nunes e Aécio Neves abriu mão de uma vitória quase certa em 2018 para amargar uma nova e humilhante derrota, já no primeiro turno das eleições presidenciais.

Em poucas palavras, o antipetismo exacerbado e o impeachment, somados à desastrosa participação no governo Temer e ao escorregão de Aécio Neves – que, sem trocadilho, encerrou sua carreira e transformou suas ambições políticas em pó –, criaram o caldo de cultura ideal para o crescimento de Bolsonaro e o fortalecimento do PT.

Se você é antipetista ou teme um governo de Bolsonaro, resta-lhe um consolo. Eu quase sempre erro previsões. Pode ser que algum outro ganhe esta eleição. Entre o momento em que escrevo e o fechamento das urnas, muita coisa ainda pode acontecer. Até um Alckmin, que corre na pista como um ganso gordo batendo as asinhas curtas, decolar finalmente nas asas do antipetismo e do antiesquerdismo e chegar ao segundo turno para vencer Bolsonaro ou Haddad.

Mas saímos do campo das possibilidades e entramos no da fisica quântica, ou coisa parecida.


(Na foto, o presidente Temer recebe Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves, entre outras lideranças do PSDB, para jantar em 25 de novembro de 2016. Foto: Beto Barata/Presidência da República/Fotos Públicas)


José Carlos Fineis é jornalista, produtor de vídeo, sócio-proprietário da Loja de Ideias Produção Editorial, Jornalismo e Edição Ltda., cofundador e coeditor da página Sorocaba Plural – Jornalismo Cidadão. As opiniões aqui expressas são de responsabilidade única do autor, e não refletem o pensamento de Sorocaba Plural ou da Loja de Ideias.