24 de mai. de 2011

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É fundamental (re)descobrir o prazer intelectual de produzir bons textos 


Por José Carlos Fineis


Escrever textos jornalísticos não é coisa fácil. A redação jornalística exige concentração, disposição para pensar em profundidade, clareza de raciocínio, fórmulas gramaticais precisas e nenhuma preguiça em transformar os dados apurados numa síntese que permita ao leitor, sem muito esforço, adquirir as informações de forma fluente, rápida e agradável.

Por isso, não posso acreditar na seriedade do repórter que escreve sem cuidados mínimos com o texto e passa adiante sua produção diária sem uma boa revisão. Erros de digitação, vocabulário raso, frases sem sentido, repetições, omissões e excesso de aspas geralmente denotam algo mais grave do que o simples desleixo: são sinal de que o redator não gosta de escrever. Escreve como quem quer se livrar de um fardo, de uma batata quente.

O jornalista que não tem tesão pelo texto não é diferente do médico negligente ou do motorista irresponsável. E nem o fato de que o público, em geral, é pouco crítico, ou a certeza de que muitos donos de veículos de comunicação se preocupam mais com o faturamento do que com a qualidade de suas publicações devem afastar o jornalista de uma busca pessoal e incessante pelo texto claro, conciso, correto e criativo.

Há sempre boas desculpas para escrever "de qualquer jeito", e a principal delas é dada pelas próprias empresas jornalísticas, que cobram seus funcionários para que deem conta de tudo sem fazer horas extras. O profissional medíocre fará desta e de outras dificuldades uma justificativa eterna para não escrever bem. O profissional consciente, porém, buscará se aperfeiçoar independentemente das condições impostas, como o atleta que treina todos os dias - no frio, na chuva ou no sol, e por vezes com dor - para superar a performance do dia anterior.

Tenho visto, em jornais, revistas e na internet, muitas reportagens "técnicas", escritas com evidente desinteresse. Os textos se alongam muito além do necessário (afinal, é mais difícil escrever pouco do que muito), repetem informações, deixam lacunas sem resposta, incluem muitas frases entre aspas (frases bobas, que nada mais são do que uma forma de retransmitir as informações em seu estado bruto, dispensando o trabalho de elaboração do texto), enfim, não passam de relatórios enfadonhos, que nos deixam com pena de quem as precise ler.

Quando o repórter não se dá ao trabalho de sintetizar, hierarquizar e relacionar informações, ele nada mais faz que transferir para o leitor o trabalho que seria seu. Fala-se muito em concorrência dos meios eletrônicos, mas acredito que é a ausência de bons textos - textos capazes de surpreender e encantar os leitores - o que mais compromete parte da imprensa, que se apegou ao modelo "industrial" e esqueceu que ler não precisa, necessariamente, ser uma atividade burocrática e maçante.

É fundamental, para todos os que levam o jornalismo a sério, (re)descobrir a arte, a alegria e o prazer intelectual que existe em produzir bons textos. Todos sabemos que o salário é pequeno e o tempo, escasso diante de tanto trabalho, mas um jornalista que se considere profissional não deve jamais entregar sua produção diária sem antes se certificar de que seu texto oferece uma síntese bem organizada e compreensível do assunto enfocado, escrita com correção e livre de redundâncias ou declarações vazias.

Todos os dias, talentos promissores do jornalismo se tornam medíocres porque têm preguiça de dispensar ao texto o carinho necessário. Não seja mais um.






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5 de fev. de 2011

Para matar a saudade: a Redação do Cruzeiro do Sul por volta de 1982 


Por José Carlos Fineis




Já que a correria dos últimos dias não me tem permitido concluir um artigo novo para este espaço, tive a ideia de compartilhar com os leitores uma foto que, para mim, tem um significado muito especial.

Essa aí em cima é a redação do jornal Cruzeiro do Sul em 1982 (ou talvez um pouco mais tarde). É a redação antiga, já no Alto da Boa Vista (onde o jornal funciona desde 1980), instalada numa sala ampla do prédio de tijolinhos aparentes que depois foi ocupado pela diretoria da Fundação Ubaldino do Amaral, quando a redação nova (feita especialmente para ser redação, no barracão industrial) ficou pronta. 

As pessoas da foto ocupam um lugar muito especial no meu coração, pois foi com elas que dei os primeiros (e titubeantes) passos nesta profissão maravilhosa, e aprendi muito do que me valeu pela vida inteira.

Em pé: Sérgio Vinícius da Rosa (repórter que mais tarde se tornou um pioneiro do colunismo social na televisão sorocabana), Rita (arquivista que sonhava ser atriz, largou o jornal e foi para São Paulo, onde trabalhou na TV Cultura), eu (com lentes de contato e um cabelo bichogrilo), Anivaldo José Pinto, o Mussum (fotógrafo lendário de Sorocaba, o melhor que conheci, autor de verdadeiras obras-primas em preto e branco, que depois foi trabalhar na Polícia Técnica), Celso Ribeiro (ele mesmo, Ribas o Marvadão, autor da coluna Sapo N'Água), Adalberto Vieira, o Pardal (um bom amigo e excelente profissional, com quem tenho o prazer de jantar todas as noites), Ivone Savioli (arquivista durante longo tempo no Cruzeiro, que depois foi trabalhar na Fundec), Roque Pires do Amaral, o Roquinho (amigo de longa data, foi meu padrinho na profissão por me apresentar na Redação e me ensinou o beabá da reportagem), Maria Cláudia Miguel, a Cacau (amigona, grande texto e excelente musicista de orquestras sinfônicas, com quem ainda mantenho contato), Homero Moreira Querido Filho (grande chefe de reportagem e pauteiro, o Homero foi quem me incentivou sempre para transformar pautas sobre ruas esburacadas em boas matérias), Marta Lima Dias da Silva, a Martinha (outra grande pessoa, hoje sócia da agência NúcleoTCM, onde trabalha com o marido, o também lendário Mané Motta), J. César (excelente figura, que na época respondia pela seção de Esportes e hoje é dono da Folha de Votorantim), Paulo Fernando Coelho Fleury, o Fleuryzinho (de todos, posso dizer, o que se tornou meu maior amigo, e que infelizmente não está mais neste plano). Sentados: Maria Iria Colturato (era a melhor repórter do jornal, mas era também advogada e deixou o jornalismo para advogar), fotógrafo que ficou pouco tempo no jornal e que não lembro mais o nome (se não me engano era Paulo), Hélia Neves Fernandes (a grande e eterna colunista de Sorocaba, e também gente finíssima) e José Roberto Pinto (fotógrafo, irmão de Anivaldo e Adival, e que depois foi fotógrafo da Câmara).

Em primeiro plano, as Lexikon 90 em que aprendi a datilografar e a fazer reportagem.

Agora, uma dúvida: de quem seria a foto? Por eliminação, creio que é do Adival B. Pinto, mas posso estar enganado.

Bem, por enquanto é isso. No próximo post, prometo mais reflexão e menos recordação.





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22 de jan. de 2011



O leitor tem direito de saber quem exatamente são e o que fazem as pessoas que escrevem no jornal



Por José Carlos Fineis


Conheço dois articulistas de jornal (curiosamente, um de esquerda e outro bem de direita) que têm o péssimo hábito de esconder do leitor o que eles realmente são. Eles se apresentam ao final de seus artigos como jornalistas e mestres disso e daquilo, mas não informam o essencial: seu envolvimento pessoal, na condição de militantes, com organizações que representam ideologias e interesses políticos e/ou sociais muito pronunciados.

Ambos fazem de seus artigos espaços para discorrer sobre questões de fundo ideológico, o que torna a omissão do envolvimento pessoal ainda mais grave. Um é ligado a um partido; outro, a uma instituição religiosa ultraconservadora. O primeiro usa sua coluna com frequência para elogiar sua agremiação e criticar o partido adversário; o outro, aborda com um verniz pseudoético questões morais e sociais da religião a que pertence.

Sempre leio o crédito dos artigos, na esperança de que os autores (ou os jornais em que escrevem) tenham resolvido finalmente respeitar o leitor, e informar sobre o envolvimento pessoal, partidário e sectário desses dois. Isso, infelizmente, nunca aconteceu, seja porque eles querem que seja assim, seja porque os jornais, aparentemente, não se sentem mal em contribuir com a farsa. Na ausência dessa informação, perdi todo o interesse por seus artigos, pois creio que já nascem contaminados pela intenção de enganar o leitor.

O que somos e o que fazemos são coisas que devemos informar sempre, e mais ainda quando o que somos e fazemos tem relação direta com nossa forma de ver o assunto que analisamos. O envolvimento pessoal é visto, acertadamente, como elemento comprometedor da imparcialidade e da objetividade. Com propriedade, o público classifica as opiniões conforme a origem e lhes atribui pesos distintos: as que vêm de dentro das instituições, emitidas por militantes, sempre merecem menos confiança que aquelas emitidas por analistas independentes.

Os senhores a que me refiro se apresentam apenas como jornalistas e professores, habilitando-se dessa forma a receber do leitor a máxima confiança que tanto a primeira quanto a segunda profissão costumam inspirar. Porém, aberto o caminho, emitem opiniões que não são diferentes das opiniões dos militantes mais empedernidos, e que, da forma como são publicadas, têm uma chance grande de ser lidas e assimiladas como opiniões formuladas com autonomia, o que está longe de acontecer.

Não há dúvida de que ambos são jornalistas, como se apresentam. Mas não agem com ética jornalística em relação aos leitores, pois fazem do Jornalismo apenas um elemento de convencimento para projetar as crenças com que se envolveram. É uma pena que os veículos aceitem esse tipo de manobra e não se esforcem por esclarecer quem é quem. Não há problema nenhum em ser engajado e emitir opiniões, mas o leitor tem direito de saber quais interesses - pessoais, principalmente - influenciam na formação dessa opinião. Nesse jogo de falsas aparências, em que os motivos mais evidentes são ocultados, perde a sociedade, perde a informação.




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