16 de set. de 2013

Inversão cronológica gera versão distorcida sobre médicos cubanos


Por José Carlos Fineis


Um jornalista (e aqui incluo todos os que escrevem profissionalmente para jornal) deveria ter o cuidado de checar pelo menos a ordem cronológica dos fatos antes de tecer relações entre eles, mas parece que nem a chamada grande imprensa tem feito isso. 
Acabo de ler dois artigos sobre a importação de médicos cubanos na Folha de S. Paulo, segundo os quais a ideia de trazer médicos de Cuba foi uma "resposta apressada" e eleitoreira aos protestos de junho.
Mas como isso poderia ser possível, se o anúncio de que o governo pretendia trazer 6 mil médicos cubanos ocorreu no dia 6 de maio, portanto, mais de 40 dias antes das grandes manifestações populares?
A prova da anterioridade do programa está no link lá de baixo, da Veja. A notícia foi dada por toda a imprensa, na época. Na verdade, ao fazer o anúncio, o governo já vinha cuidando do assunto há mais tempo.
O programa federal (e isto não é uma defesa do PT, apenas uma correção dos fatos com base naquilo que a própria imprensa noticiou) é anterior às manifestações, que ganharam corpo no dia 17/6.
Infelizmente, o leitor não pode aceitar como verdade tudo aquilo que é publicado. Bagunçar a cronologia dos fatos para criar falsas relações de causa e efeito é, também, um jeito de mentir.

Trechos dos artigos citados:

"(...) Agora, vejamos o lado do governo acuado pelas manifestações de rua que clamavam por transporte público, educação e saúde.
Talvez por falta do que propor nas duas primeiras áreas, decidiu atacar a da saúde. A população se queixa da falta de assistência médica? Vamos contratar médicos estrangeiros, foi o melhor que conseguiram arquitetar. (...)" (Drauzio Varela, Demagogia eleitoreira, Folha de S. Paulo, 7/9/2013)
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/drauziovarella/2013/09/1337995-demagogia-eleitoreira.shtml

"(...) Que a medida do governo Dilma é eleitoreira, tomada às pressas como resposta às manifestações das ruas, ninguém duvida disso. Tampouco há dúvidas sobre a insustentabilidade do programa a médio e longo prazo. (...)"  (Cláudia Collucci, "Erramos. A população ficou contra a gente", dizem médicos, Folha de S. Paulo, 11/9/2013)
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/claudiacollucci/2013/09/1340316-erramos-a-populacao-ficou-contra-a-gente-dizem-medicos.shtml

E aqui a notícia original, de 6 de maio -- portanto, mais de 40 dias antes das grandes manifestações em que a pauta da saúde (entre outras) foi incluída ao lado da questão do transporte coletivo.
http://veja.abril.com.br/blog/politica/governo-dilma-rousseff/governo-negocia-importacao-de-6-000-medicos-cubanos/





1 de jun. de 2013

Um programa de cinco pontos para os jornais impressos


Por José Carlos Fineis

Os jornais impressos passam pelo momento mais crítico da história, devido a duas mudanças dramáticas ocorridas nesse modelo de negócios. Essas mudanças já são sentidas em maior ou menor intensidade por todos os veículos, e não há nada que possa ser feito para estancar sua marcha ou revertê-las.

A principal delas, por si só suficiente para revolucionar o setor ainda neste primeiro quatro de século, é a opção cada vez maior dos leitores pelos meios de comunicação baseados em internet. Quanto mais jovem a pessoa, menor a familiaridade com o jornal impresso e maior a inclinação pelo uso de computadores e dispositivos móveis de comunicação para conseguir informações.

A outra mudança, na verdade um desdobramento da primeira, é a facilidade com que se obtêm informações on-line. A profusão de sites noticiosos, quase todos gratuitos, permite a uma pessoa manter-se bem informada sem a necessidade de assinar um jornal ou de pagar para receber informações.

Quanto tempo ainda os jornais impressos resistirão e quais jornais sobreviverão (supondo-se que alguns consigam permanecer, devido a uma conjunção muito especial de fatores) são perguntas impossíveis de responder sem uma bola de cristal. Mas parece óbvio que os que estiverem melhor estruturados financeiramente e utilizarem essa vantagem competitiva para melhorar seus produtos atuais e desenvolver novos produtos terão uma chance maior.

Tenho observado que a crise demora mais a atingir os jornais do interior, cujo conteúdo, diferentemente dos grandes jornais de abrangência nacional, não pode ser obtido com tanta facilidade em grande número de sítios noticiosos. Destes, pode-se dizer que estão em posição privilegiada, pois terão um fôlego maior para desenvolver modelos lucrativos de negócios digitais, inclusive aproveitando-se das experiências de outros veículos impressos, que estão há mais tempo buscando e experimentando novos e possíveis caminhos.

Seja qual for a solução, não tenho dúvida de que ela terá de ser dada pela atual geração de empresários, executivos e jornalistas, ou seja, aqueles que estão hoje nos postos de comando das empresas e das redações. Caberá a eles atuar em duas frentes distintas, ambas igualmente importantes: por um lado, encontrar maneiras de oxigenar o jornal impresso e assegurar sua permanência pelo maior tempo possível; por outro, desenvolver modelos de negócios no meio digital, suficientemente bons para assegurar a viabilidade financeira de serviços jornalísticos nesse universo altamente competitivo e volátil.

É uma realidade complexa, que exige criatividade, informação e uma boa dose de ousadia. Para enfrentá-la, sugiro um programa de cinco pontos, relativamente simples de implantar em qualquer empresa jornalística. São eles:

1) Se ainda não o fizeram, os jornais impressos devem começar o quanto antes a prospectar de forma séria e sistemática as muitas maneiras possíveis de obter receita (publicidade, assinaturas, venda de conteúdos diversos) pela internet. A venda de banners em sites é apenas a mais antiga e menos criativa forma de buscar faturamento. Novos produtos digitais ou mesmo formas novas de gerar receita com portais tradicionais, como o paywall*, têm sido testados no mundo todo e essas experiências, bem ou mal sucedidas, precisam ser conhecidas e avaliadas.

2) Criar uma Gerência de Novos Produtos ou um grupo intersetorial de trabalho que envolva Redação, Comercial, Marketing e TI, para pesquisar, estudar e adaptar as soluções já adotadas com sucesso por outros veículos. Esse setor deve ter autonomia para funcionar como laboratório de testes, e dispor de uma estrutura mínima para desenvolver projetos experimentais, como uma revista semanal para tablets ou a venda de pacotes noticiosos customizáveis para dispositivos móveis.

3) Investir em conteúdos exclusivos e aprimorar a qualidade. A tendência de cortar custos para fazer frente à queda de faturamento é uma estratégia suicida para as empresas jornalísticas, especialmente em cenários de forte competição. Mais do que nunca, é fundamental que os veículos, sejam eles impressos ou digitais, valorizem os profissionais experientes, talentosos, dotados de um bom conteúdo humanístico e livres de preconceitos, capazes de surpreender e cativar os leitores com boas reportagens e artigos. Ninguém pagará para receber aquilo que pode encontrar de graça na internet ou para ter informações superficiais e mal apuradas.

4) Transformar a cultura jornalística e empresarial do jornal impresso (que eu chamo de "cabeça de papel") numa cultura multimeios. É algo difícil de conseguir em empresas tradicionais, que ainda têm sua rotina e sua forma de trabalhar regidas pelo impresso. Mas é urgente fazer a transição, contratando e ou valorizando pessoas que já têm uma visão heterogênea da produção jornalística. Nessa nova cultura, notícias e produtos editoriais devem ser pensados e executados em todos os formatos possíveis, de forma integrada. Os diferentes meios devem ser usados para alavancar uns aos outros, e não para se aniquilar reciprocamente.

5) Buscar públicos qualificados. A possibilidade de faturar com jornalismo digital será proporcional à capacidade dos veículos de identificar os públicos preferenciais de seus produtos, permitindo que os mídias das agências de publicidade planejem suas estratégias com maior segurança. Apenas o número de acessos de um site ou o total de assinantes de um serviço noticioso são informações vagas demais para convencer o anunciante a investir seu dinheiro em determinado produto; é preciso saber quem são os leitores, qual sua faixa de renda, sua idade, sexo, escolaridade, profissão e o que costumam consumir, entre outras informações. Logo, a formação de públicos deve ser acompanhada pela criação de cadastros eficientes.

Esses são pontos básicos sobre os quais toda empresa jornalística deve se debruçar sem mais demora, sob o risco de perder seu produto atual -- o jornal impresso -- e, por outro lado, não conseguir estabelecer produtos jornalísticos rentáveis no meio digital. A crise do jornal impresso tem chegado de forma mais lenta no Brasil, o que leva muitos empresários a imaginar que esse seja um problema a ser resolvido pela próxima geração no comando. Mas o desafio já está presente, e não encará-lo agora pode ser desastroso. Será a atual geração de executivos e jornalistas que definirá se e como os veículos colocados sob sua responsabilidade existirão ou deixarão de existir, daqui a dez ou vinte anos.




* Paywall: sistema pelo qual o leitor pode acessar gratuitamente determinado número de notícias de um site a cada dia ou mês. Uma vez atingido o limite de acessos gratuitos, que é definido pelo veículo, o acesso só é possível mediante o pagamento de uma assinatura. O paywall pode ser usado também para permitir o acesso gratuito a algumas sessões, ou mesmo à abertura de alguns textos, exigindo-se entretanto que o interessado pague para ter todas as sessões e os textos integrais.


22 de mai. de 2013

"O jornalismo precisa ser resgatado como ferramenta social, como instrumento de construção de uma sociedade melhor, mais justa e evoluída"


Tive a honra de ser entrevistado pelo blogue Suitando Jornalistas, das estudantes do quinto período de Jornalismo da Uniso Luma Bonvino e Roberta Romão. Elas mantêm o blogue como parte de seu aprendizado na disciplina Jornalismo Digital, da professora Evenize. 

A entrevista foi para mim um momento de reflexão sobre minha trajetória profissional e minha forma de ver o jornalismo, sua função na sociedade e suas perspectivas diante da revolução digital.

Agradeço à Luma e à Roberta por esta oportunidade. Para quem quiser ler a minha entrevista e outras entrevistas interessantes que compõem o blogue, segue o link.

(Em tempo: sempre achei a autocitação uma coisa meio esquisita, mas, já que o entrevistado sou eu, me permiti roubar uma frase de mim mesmo, para dar título a este post. Daí as aspas no título.)