Todo dia, as pessoas saem de suas camas sem saber como a jornada terminará. Nem Davi levanta-se vitorioso, nem Golias derrotado. E nem lhes é dada a opção de escolher entre ser este ou aquele. Cada um só tem a opção de ser o que é e trabalhar com aquilo que tem. Isso vale para tudo na vida e é claro que vale também para o Jornalismo.
Por José Carlos Fineis
O confronto entre Davi e Golias é narrado com detalhes no primeiro livro de Samuel, um dos chamados livros históricos do Antigo Testamento, que abrange, conforme estudiosos, fatos ocorridos no período de 1.100 a 1.000 antes de Cristo. Há mais de três mil anos, portanto, a história do pastor hebreu que abateu o gigante filisteu, uma das mais conhecidas da Bíblia, capturou a imaginação de pessoas simples, escritores e filósofos, e tem sido invocada como comprovação do poder de Deus – seu sentido original bíblico – ou, de forma mais abrangente, como exemplo de que tamanho nem sempre é documento: a liberdade de movimentos, a agilidade e a ousadia, combinadas, podem derrubar o maior e mais forte.
Tomo a história emprestada para propor um outro tipo de reflexão, que talvez não caiba num blog sobre Comunicação – ou talvez caiba, se estendermos a analogia bíblica para os muitos dilemas enfrentados atualmente pelo jornalismo, não só em termos de plataformas e de financiamento, mas, principalmente, em termos de compreensão da função social da informação e dos princípios elementares que devem reger essa atividade*.
De toda forma, o enfoque não é esse. O que quero propor é que o leitor se imagine como alguém que pudesse escolher entre ser Davi ou ser Golias, e responda quem preferiria ser. Não tenho dúvida de que, se essa pergunta for feita para um milhão de pessoas – desde que, obviamente, conheçam a história bíblica e seu desfecho –, todas, sem exceção, responderão que preferem ser Davi. Afinal, foi ele o vencedor.
Mas vamos tentar uma reflexão mais ousada. Suponha que Davi e Golias nunca se enfrentaram. Suponha que você está diante de dois guerreiros e que precisa apostar tudo o que tem na escolha de um vencedor. Suponha que o guerreiro de um dos exércitos seja um pastor de ovelhas, sem experiência em campos de batalha, munido apenas de uma atiradeira e cinco pedras lisas retiradas de um riacho, e que o combatente do outro exército seja descrito desta maneira: “Tinha dois metros e noventa centímetros de altura. Usava um capacete de bronze e vestia uma couraça de escamas de bronze que pesava sessenta quilos; nas pernas usava caneleiras de bronze e tinha um dardo de bronze pendurado nas costas. A haste de sua lança era parecida com uma lançadeira de tecelão, e sua ponta de ferro pesava sete quilos e duzentos gramas.”
Esqueça o contexto bíblico. Esqueça quem eles são. Em qual dos dois você apostaria? Certamente, não no mais fraco, inexperiente e desprotegido. Se retirarmos os nomes dos personagens e os analisarmos apenas por sua aparência, força física e armamentos, estou certo de que toda pessoa, sem exceção, afirmaria acreditar que o maior, mais forte e mais bem armado teria mais chances de vencer.
É nesse ponto que eu gostaria de chegar. Davi e Golias, na vida real, entraram no campo de batalha sem saber quem sairia vivo. Lembre-se: o Livro de Samuel ainda não havia sido escrito. Eles o estavam vivendo ali. Era a história sendo feita pelo entrelaçar de pensamentos, palavras, gestos e olhares, a céu aberto, em campo aberto, com cheiro de suor e de estrume de animais, entre sóis abrasadores e noites estreladas.
Talvez Davi tivesse uma confiança tão intensa, tão profunda em seu Deus que acreditasse, por todos os seus átomos e pensamentos, não haver a mínima possibilidade de ser derrotado. Mas Golias também tinha fé em seus deuses. Ele confiava de tal forma em sua força que durante 40 dias colocou-se à frente do exército filisteu e desafiou os hebreus a que designassem um homem para enfrentá-lo. Em sua suposta arrogância, oferecia-se, na verdade, para carregar nos ombros a responsabilidade da vitória e evitar uma carnificina entre seu exército e o exército inimigo, reduzindo-se toda a batalha a um confronto entre dois homens apenas: ele e quem se dispusesse a lutar com ele.
O relato de Samuel nos mostra um Davi extremamente seguro de sua capacidade. O jovem pastor, pelo menos no relato bíblico, não é um homem fraco, como acabou sendo representado em filmes e ilustrações. Apenas não é um guerreiro. Mas, segundo suas próprias palavras, está acostumado como pastor a lutar com leões e ursos, nos quais dá golpes até matá-los, para resgatar de suas bocas ovelhas subtraídas ao rebanho.
Ainda assim, ninguém acreditava que Davi teria alguma chance contra Golias. Talvez o jovem Davi estivesse apenas contando vantagem quando relatou essas façanhas ao rei Saul, para que este o deixasse lutar por Israel. Talvez, pensando mais longe, Saul apenas tivesse fingido acreditar na história de perseguir e enfrentar feras, e permitido a Davi enfrentar Golias simplesmente porque não tinha outra opção, já que durante 40 dias todos os homens de seu exército – ele, inclusive – haviam tido a chance de se apresentar no campo de batalha para bater-se com o gigante, mas preferiram recolher-se e dormir humilhados.
O que estou querendo dizer é que é muito fácil escolher entre ser Davi ou ser Golias, quando se conhece ou não se conhece o fim da história; fácil, porém enganoso, já que o conhecimento ou desconhecimento levam a opções diferentes. E nós, em nossas trajetórias de vida, não sabemos o fim da história. Logo, somos constantemente induzidos ao erro.
Com base na intuição, na lógica, na análise das probabilidades e em inúmeras outras informações e referências, concluímos que somos fracos ou fortes, poderosos ou impotentes. Mas isso não é a realidade – é apenas algo que nos foi incutido ou que nós mesmos apanhamos por aí, e de que nos convencemos. A história está sendo vivida neste exato momento, enquanto sorvemos o ar para dentro de nossos pulmões e enquanto nossos corações palpitam. Ela está sendo escrita primeiramente em nossos pensamentos, antes mesmo de podermos externá-la por palavras e ações e dar a ela uma existência palpável.
A única coisa certa é que existimos. O resto são crenças que adquirimos com base na observação, na comparação, nas intuições aparentemente lógicas que nossas mentes, moldadas para raciocinar de forma a assegurar a sobrevivência e evitar os perigos, desenvolveram ao longo de centenas de milhares de anos.
Todos os dias, pessoas aparentemente sem chances se apresentam no campo de batalha para enfrentar gigantes supostamente imbatíveis. Algumas vencem, outras não. Talvez a maior parte, como o exército de Saul, se recuse a lutar, por medo de ser trucidada. O inverso também ocorre. Na minha cidade, e creio que em grande parte das cidades ao redor do mundo, muitas foram as empresas familiares que dominaram um segmento de mercado durante uma ou duas gerações, e que, uma vez atingido o sucesso, acomodaram-se em suas posições de liderança até que fossem ultrapassadas por um ou mais concorrentes. Havia até um slogan, bastante utilizado por publicitários locais em décadas passadas: a gigante do ramo. Foram muitas as “gigantes do ramo” que faliram por uma combinação de desinteresse dos herdeiros, administrações medíocres e excesso de confiança.
A verdade é que não sabemos, de fato, quem é o grande ou o pequeno, quem é o Davi ou o Golias da vez. Seríamos mais felizes em nossos projetos de vida se deixássemos de ouvir esse vozerio interior em que se misturam nossos medos, os medos de nossos pais e de nossos antepassados, e apenas seguíssemos em frente, confiantes, alegres, criativos, preparados para sucumbir ou vencer com a consciência tranquila de quem, não podendo escolher para si um papel ideal em um livro de história, empenha-se e faz o seu melhor para que aquilo em que acredita se torne real.
O que os jovens empreendedores de sucesso e as grandes empresas falidas nos ensinam é que é preciso confiar menos nas aparências e mais na própria capacidade, mas não cegamente. Davi tinha uma fé inabalável em Deus, mas também confiava na força de seus braços e em sua pontaria, exercitada durante muitos anos em que precisou atacar com pedras as feras que assaltavam seu rebanho. O mesmo excesso de confiança que levou Davi à vitória, de maneira paradoxal, foi o que causou a morte de Golias, pois ele, embora tivesse um escudeiro que “seguia à sua frente”, aparentemente não carregava um escudo – ou teria se protegido com facilidade da pedra lançada por Davi.
Portanto, seja qual for o projeto que você tem em mente, faça um favor para si mesmo: apague, renegue, recuse toda ideia preconcebida a respeito de tamanho, poder e força, seja para mais ou para menos. Esses fatores são subjetivos e se manifestam muito mais pela capacidade do pensamento, da criatividade, da estratégia, do método e da dedicação do que por fatores externos como dinheiro, estrutura, fama ou marca. Todo dia, as pessoas saem de suas camas sem saber como a jornada terminará. Nem Davi levanta-se vitorioso, nem Golias derrotado. E nem lhes é dada a opção de escolher entre ser este ou aquele. Cada um só tem a opção de ser o que é e trabalhar com aquilo que tem. Diante de todas as pessoas – e não me refiro aqui apenas a pessoas livres e saudáveis – existe um oceano de possibilidades que lhes cabe explorar da melhor maneira possível. E isso não se faz sem controlar o medo, de forma confiante mas não arrogante, ousada mas não inconsequente, aplicada mas sem obsessão pelos resultados, pois muitas vezes são a impaciência e a pressa de ver os resultados que põem tudo a perder.
Este pensamento, esta forma de se posicionar diante da vida, aplica-se a tudo e a todos. Faça uma faxina mental e varra para fora de sua consciência todo conceito pré-fabricado deixado ali por sucessivas gerações, pelo famigerado “senso comum”, pelo suposto “bom senso”. Não se deixe enganar pelo que parece óbvio. Nada é óbvio na vida, a não ser as supostas obviedades em que acreditamos e que, por isso, condicionam nossos pensamentos, limitando nossa capacidade de imaginar, planejar e agir. Liberte-se da ideia de vitória ou derrota, do provável ou improvável, e apenas dedique-se a fazer o que pode fazer hoje, dando o melhor de si, com todas as suas forças e toda a carga possível de esperança.
Se o sucesso virá ou não, isso não é tão importante. E ninguém jamais saberá ao certo, pois esta é uma parte da história que não depende apenas de nossa vontade. Foi pela coragem em enfrentar um guerreiro temível que Davi se fez um grande homem. A pedrada mortal no inimigo tornou-o um vencedor, mas antes disso, por sua atitude, ele já era um vitorioso – e o ganhar ou o perder, você pode acreditar, não mudariam esse fato.
*No momento, penso muito nessa história e em seus muitos significados, graças à experiência com o recém-lançado projeto Sorocaba Plural - Jornalismo Cidadão, uma proposta inovadora de jornalismo feito pela e para a comunidade, na cidade de Sorocaba (SP).
José Carlos Fineis é jornalista, editor, videoprodutor e sócio-proprietário da Loja de Ideias Produção Audiovisual, Jornalismo e Edição Ltda.
O confronto entre Davi e Golias é narrado com detalhes no primeiro livro de Samuel, um dos chamados livros históricos do Antigo Testamento, que abrange, conforme estudiosos, fatos ocorridos no período de 1.100 a 1.000 antes de Cristo. Há mais de três mil anos, portanto, a história do pastor hebreu que abateu o gigante filisteu, uma das mais conhecidas da Bíblia, capturou a imaginação de pessoas simples, escritores e filósofos, e tem sido invocada como comprovação do poder de Deus – seu sentido original bíblico – ou, de forma mais abrangente, como exemplo de que tamanho nem sempre é documento: a liberdade de movimentos, a agilidade e a ousadia, combinadas, podem derrubar o maior e mais forte.
Tomo a história emprestada para propor um outro tipo de reflexão, que talvez não caiba num blog sobre Comunicação – ou talvez caiba, se estendermos a analogia bíblica para os muitos dilemas enfrentados atualmente pelo jornalismo, não só em termos de plataformas e de financiamento, mas, principalmente, em termos de compreensão da função social da informação e dos princípios elementares que devem reger essa atividade*.
De toda forma, o enfoque não é esse. O que quero propor é que o leitor se imagine como alguém que pudesse escolher entre ser Davi ou ser Golias, e responda quem preferiria ser. Não tenho dúvida de que, se essa pergunta for feita para um milhão de pessoas – desde que, obviamente, conheçam a história bíblica e seu desfecho –, todas, sem exceção, responderão que preferem ser Davi. Afinal, foi ele o vencedor.
Mas vamos tentar uma reflexão mais ousada. Suponha que Davi e Golias nunca se enfrentaram. Suponha que você está diante de dois guerreiros e que precisa apostar tudo o que tem na escolha de um vencedor. Suponha que o guerreiro de um dos exércitos seja um pastor de ovelhas, sem experiência em campos de batalha, munido apenas de uma atiradeira e cinco pedras lisas retiradas de um riacho, e que o combatente do outro exército seja descrito desta maneira: “Tinha dois metros e noventa centímetros de altura. Usava um capacete de bronze e vestia uma couraça de escamas de bronze que pesava sessenta quilos; nas pernas usava caneleiras de bronze e tinha um dardo de bronze pendurado nas costas. A haste de sua lança era parecida com uma lançadeira de tecelão, e sua ponta de ferro pesava sete quilos e duzentos gramas.”
Esqueça o contexto bíblico. Esqueça quem eles são. Em qual dos dois você apostaria? Certamente, não no mais fraco, inexperiente e desprotegido. Se retirarmos os nomes dos personagens e os analisarmos apenas por sua aparência, força física e armamentos, estou certo de que toda pessoa, sem exceção, afirmaria acreditar que o maior, mais forte e mais bem armado teria mais chances de vencer.
É nesse ponto que eu gostaria de chegar. Davi e Golias, na vida real, entraram no campo de batalha sem saber quem sairia vivo. Lembre-se: o Livro de Samuel ainda não havia sido escrito. Eles o estavam vivendo ali. Era a história sendo feita pelo entrelaçar de pensamentos, palavras, gestos e olhares, a céu aberto, em campo aberto, com cheiro de suor e de estrume de animais, entre sóis abrasadores e noites estreladas.
Talvez Davi tivesse uma confiança tão intensa, tão profunda em seu Deus que acreditasse, por todos os seus átomos e pensamentos, não haver a mínima possibilidade de ser derrotado. Mas Golias também tinha fé em seus deuses. Ele confiava de tal forma em sua força que durante 40 dias colocou-se à frente do exército filisteu e desafiou os hebreus a que designassem um homem para enfrentá-lo. Em sua suposta arrogância, oferecia-se, na verdade, para carregar nos ombros a responsabilidade da vitória e evitar uma carnificina entre seu exército e o exército inimigo, reduzindo-se toda a batalha a um confronto entre dois homens apenas: ele e quem se dispusesse a lutar com ele.
O relato de Samuel nos mostra um Davi extremamente seguro de sua capacidade. O jovem pastor, pelo menos no relato bíblico, não é um homem fraco, como acabou sendo representado em filmes e ilustrações. Apenas não é um guerreiro. Mas, segundo suas próprias palavras, está acostumado como pastor a lutar com leões e ursos, nos quais dá golpes até matá-los, para resgatar de suas bocas ovelhas subtraídas ao rebanho.
Ainda assim, ninguém acreditava que Davi teria alguma chance contra Golias. Talvez o jovem Davi estivesse apenas contando vantagem quando relatou essas façanhas ao rei Saul, para que este o deixasse lutar por Israel. Talvez, pensando mais longe, Saul apenas tivesse fingido acreditar na história de perseguir e enfrentar feras, e permitido a Davi enfrentar Golias simplesmente porque não tinha outra opção, já que durante 40 dias todos os homens de seu exército – ele, inclusive – haviam tido a chance de se apresentar no campo de batalha para bater-se com o gigante, mas preferiram recolher-se e dormir humilhados.
O que estou querendo dizer é que é muito fácil escolher entre ser Davi ou ser Golias, quando se conhece ou não se conhece o fim da história; fácil, porém enganoso, já que o conhecimento ou desconhecimento levam a opções diferentes. E nós, em nossas trajetórias de vida, não sabemos o fim da história. Logo, somos constantemente induzidos ao erro.
Com base na intuição, na lógica, na análise das probabilidades e em inúmeras outras informações e referências, concluímos que somos fracos ou fortes, poderosos ou impotentes. Mas isso não é a realidade – é apenas algo que nos foi incutido ou que nós mesmos apanhamos por aí, e de que nos convencemos. A história está sendo vivida neste exato momento, enquanto sorvemos o ar para dentro de nossos pulmões e enquanto nossos corações palpitam. Ela está sendo escrita primeiramente em nossos pensamentos, antes mesmo de podermos externá-la por palavras e ações e dar a ela uma existência palpável.
A única coisa certa é que existimos. O resto são crenças que adquirimos com base na observação, na comparação, nas intuições aparentemente lógicas que nossas mentes, moldadas para raciocinar de forma a assegurar a sobrevivência e evitar os perigos, desenvolveram ao longo de centenas de milhares de anos.
Todos os dias, pessoas aparentemente sem chances se apresentam no campo de batalha para enfrentar gigantes supostamente imbatíveis. Algumas vencem, outras não. Talvez a maior parte, como o exército de Saul, se recuse a lutar, por medo de ser trucidada. O inverso também ocorre. Na minha cidade, e creio que em grande parte das cidades ao redor do mundo, muitas foram as empresas familiares que dominaram um segmento de mercado durante uma ou duas gerações, e que, uma vez atingido o sucesso, acomodaram-se em suas posições de liderança até que fossem ultrapassadas por um ou mais concorrentes. Havia até um slogan, bastante utilizado por publicitários locais em décadas passadas: a gigante do ramo. Foram muitas as “gigantes do ramo” que faliram por uma combinação de desinteresse dos herdeiros, administrações medíocres e excesso de confiança.
A verdade é que não sabemos, de fato, quem é o grande ou o pequeno, quem é o Davi ou o Golias da vez. Seríamos mais felizes em nossos projetos de vida se deixássemos de ouvir esse vozerio interior em que se misturam nossos medos, os medos de nossos pais e de nossos antepassados, e apenas seguíssemos em frente, confiantes, alegres, criativos, preparados para sucumbir ou vencer com a consciência tranquila de quem, não podendo escolher para si um papel ideal em um livro de história, empenha-se e faz o seu melhor para que aquilo em que acredita se torne real.
O que os jovens empreendedores de sucesso e as grandes empresas falidas nos ensinam é que é preciso confiar menos nas aparências e mais na própria capacidade, mas não cegamente. Davi tinha uma fé inabalável em Deus, mas também confiava na força de seus braços e em sua pontaria, exercitada durante muitos anos em que precisou atacar com pedras as feras que assaltavam seu rebanho. O mesmo excesso de confiança que levou Davi à vitória, de maneira paradoxal, foi o que causou a morte de Golias, pois ele, embora tivesse um escudeiro que “seguia à sua frente”, aparentemente não carregava um escudo – ou teria se protegido com facilidade da pedra lançada por Davi.
Portanto, seja qual for o projeto que você tem em mente, faça um favor para si mesmo: apague, renegue, recuse toda ideia preconcebida a respeito de tamanho, poder e força, seja para mais ou para menos. Esses fatores são subjetivos e se manifestam muito mais pela capacidade do pensamento, da criatividade, da estratégia, do método e da dedicação do que por fatores externos como dinheiro, estrutura, fama ou marca. Todo dia, as pessoas saem de suas camas sem saber como a jornada terminará. Nem Davi levanta-se vitorioso, nem Golias derrotado. E nem lhes é dada a opção de escolher entre ser este ou aquele. Cada um só tem a opção de ser o que é e trabalhar com aquilo que tem. Diante de todas as pessoas – e não me refiro aqui apenas a pessoas livres e saudáveis – existe um oceano de possibilidades que lhes cabe explorar da melhor maneira possível. E isso não se faz sem controlar o medo, de forma confiante mas não arrogante, ousada mas não inconsequente, aplicada mas sem obsessão pelos resultados, pois muitas vezes são a impaciência e a pressa de ver os resultados que põem tudo a perder.
Este pensamento, esta forma de se posicionar diante da vida, aplica-se a tudo e a todos. Faça uma faxina mental e varra para fora de sua consciência todo conceito pré-fabricado deixado ali por sucessivas gerações, pelo famigerado “senso comum”, pelo suposto “bom senso”. Não se deixe enganar pelo que parece óbvio. Nada é óbvio na vida, a não ser as supostas obviedades em que acreditamos e que, por isso, condicionam nossos pensamentos, limitando nossa capacidade de imaginar, planejar e agir. Liberte-se da ideia de vitória ou derrota, do provável ou improvável, e apenas dedique-se a fazer o que pode fazer hoje, dando o melhor de si, com todas as suas forças e toda a carga possível de esperança.
Se o sucesso virá ou não, isso não é tão importante. E ninguém jamais saberá ao certo, pois esta é uma parte da história que não depende apenas de nossa vontade. Foi pela coragem em enfrentar um guerreiro temível que Davi se fez um grande homem. A pedrada mortal no inimigo tornou-o um vencedor, mas antes disso, por sua atitude, ele já era um vitorioso – e o ganhar ou o perder, você pode acreditar, não mudariam esse fato.
*No momento, penso muito nessa história e em seus muitos significados, graças à experiência com o recém-lançado projeto Sorocaba Plural - Jornalismo Cidadão, uma proposta inovadora de jornalismo feito pela e para a comunidade, na cidade de Sorocaba (SP).
José Carlos Fineis é jornalista, editor, videoprodutor e sócio-proprietário da Loja de Ideias Produção Audiovisual, Jornalismo e Edição Ltda.
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