30 de abr. de 2019

Adeus, queridos!





Por José Carlos Fineis

A lata de lixo da História, para onde vão as biografias infames, nunca esteve tão cheia de gente viva e que ainda fala e respira (embora tenha saído de circulação por motivos estratégicos).

Um dos seus habitantes é o ex-eterno-futuro presidente do Brasil, José Serra.

Político ambicioso que tinha tudo para catalisar os votos antipetistas em 2018, Serra embarcou numa aventura política, jurídica e midiática digna dos piratas do Caribe e preferiu entrar no Palácio do Planalto pela porta dos fundos, em 2016. Só faltou a faca entre os dentes.

Quando notou, tarde demais, que sua já precária popularidade despencava com a do presidente e traidor Michel Temer, alegou dores nas costas, pediu para ir ao WC e saiu de cena sem ser notado.

Serra ainda precisa explicar os milhões que o ex-presidente da Dersa (companhia rodoviária paulista) e operador do PSDB em seu Estado, Paulo Preto, amealhou e depositou em um banco suíço.

Será dinheiro de propinas recebidas por Serra, Alckmin, Aloysio Nunes e companhia bela? Ou será como o dinheiro que Paulo Maluf mantinha na Suíça e jurava não ser dele?

A festa do impeachment: ânsia por
poder levou à derrocada do PSDB
Esses senhores podem alegar, como efetivamente alegam, que nada têm a ver com isso e que, se algo de errado ocorreu, foi sem o conhecimento dos "eficientes" governos tucanos de São Paulo.

Se for este o caso, e se a eles não cabe a aplicação da teoria jurídica do domínio do fato, usada para julgar e condenar petistas, estes senhores podem, sem risco de incorrer em difamação, ser chamados de omissos, negligentes e incompetentes. Além de andarem em más companhias, como a de Paulo Preto e deles próprios.

Não fosse a omissão, a negligência e a incompetência, como poderiam deixar que roubos milionários ocorressem em seus governos, por mais de vinte anos, desde os tempos do ex-governador Mário Covas, sem que tivessem conhecimento?

Eu não daria duas tartarugas para esses senhores cuidarem. O leitor daria?

Mas essa, a da incompetência, é apenas a mais complacente (e menos plausível) das hipóteses. Talvez um dia algum juiz sem rabo preso -- ou seja, um juiz que não seja como Sérgio Moro -- determine a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico destes senhores, e mande a PF revirar seus colchões, como fizeram no apartamento do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, em busca de provas para incriminá-lo.

Serra, de toda forma, está acabado para a política, assim como o ex-queridinho de nove entre dez  habitantes da Casa Grande, Aécio Neves, que conseguiu se livrar dos "juizecos" de primeira instância com um carguinho de deputado, mantendo assim o privilégio de ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal -- o que equivale a dizer, por ninguém.

Sim, Aécio está sob os cuidados do STF, onde tem amigos de fé, irmãos, camaradas como o ministro Gilmar Mendes, com quem manteve uma conversa telefônica no mínimo promíscua e, sob o ponto de vista da independência dos poderes, quase pornográfica, por ocasião de uma votação "importante" (para corruptos como Aécio) no Senado.

Quanto a Alckmin, voltou a ser o que sempre foi, um picolé de chuchu. Diante de toda a torcida tucana, recebeu um drible pelo vão das pernas dado por sua criatura, um certo João Doria. Graças à falta de lealdade de Doria (o que, em política, não chega a ser um defeito), Alckmin passou de jogador titular a vendedor de amendoins na arquibancada.

Sem foro privilegiado, Alckmin pode ser poupado pelo Ministério Público paulista, pela Justiça Comum, pela Justiça Eleitoral, pela grande imprensa e pela Polícia Federal, como tem ocorrido há anos, talvez por solidariedade de classe. Mas corre sério risco de nunca mais sair do ostracismo, depois da votação pífia obtida no primeiro turno das eleições presidenciais de 2018, com apenas 4,7% dos votos.

Agora é hora de dizer aos tucanos que derrubaram festivamente Dilma Rousseff, naquele já distante 2016, jogando o Brasil nas mãos da quadrilha liderada por Michel Temer e ajudando a mergulhar o País numa crise sem precedentes: adeus, queridos.

Adeus, queridos!

Aproveitem a estadia na lata de lixo da História.

Que a terra do esquecimento lhes seja leve.

Ou não.


José Carlos Fineis é jornalista, escritor, editor de livros, sócio-proprietário da Loja de Ideias Produção Audiovisual, Jornalismo e Edição Ltda, cofundador do Terceira Margem - Coletivo de Blogueiros Independentes e da página Sorocaba Plural - Jornalismo Cidadão.



21 de fev. de 2019

Educação sem blablablá

Com muita honra e alegria, Referência Crítica em Jornalismo abre espaço para um articulista convidado, o professor Aldo Vannucchi – educador, escritor e principal articulador da criação da Universidade de Sorocaba (Uniso), da qual foi reitor e em que exerce atualmente o cargo de assessor especial da Reitoria. O tema do artigo é a importância do educador, pedagogo e filósofo brasileiro Paulo Freire, cuja obra é reconhecida e aplicada por escolas do mundo todo, o que não o coloca a salvo de uma corrente ideológica ora no poder, que promete bani-lo das escolas brasileiras. Aldo Vannucchi e Paulo Freire estiveram próximos em vários momentos, e de um desses encontros resultou o livro de Vannucchi “Paulo Freire ao vivo” (Loyola, 1983). Com a palavra, Aldo Vannucchi: “Educação sem blablablá”.
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Prof. Aldo Vannucchi (foto Agência
Sorocaba de Noticias/Secultur)

Aldo Vannucchi


Era 1980. Como anos atrás, em autoexílio, eu convivera com Paulo Freire, no Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, ficamos amigos e consegui trazê-lo a Sorocaba para várias conferências, na Faculdade de Filosofia. Gravadas, datilografadas e revistas por ele, viraram o livro “Paulo Freire ao Vivo”. Numa dessas palestras, ao responder à pergunta sobre a acusação de que era marxista, Paulo respondeu: “...eu tive uma infância dura, cresci numa família cristã sem ser piegas. Evidentemente, recebi muito mito ideológico em torno do que se parecia que deveria ser cristão e não era. E um dos meus esforços na juventude foi começar a pôr para fora todos esses mitos, a me libertar dessas coisas, até que cheguei ao momento, há alguns anos, em que, finalmente, descobri que, na verdade, eu não sou cristão, sou um homem procurando tornar-se cristão... o que eu venho procurando é ser, é tornar-me cristão.”

Falecido em 1997, Paulo é hoje um dos educadores mais estudados e citados, mundo afora. Mas aqui no Brasil há quem deseje “expurgá-lo” das escolas. O presidente eleito afirmou que “vai entrar no Ministério da Educação com um lança-chamas e tirar Paulo Freire lá de dentro”. Por que tal repulsa? É pelas suas ideias marxistas, dizem, pela revolução socialista que propõe, pelos militantes esquerdistas que formou.

Paulo Freire em 1977 (foto Slobodan
Dimitrov/Wikimedia Commons
São objeções típicas de quem tem medo de mudança. O “perigo” da proposta de Paulo Freire é que ela, precisamente, consiste e insiste numa relação afetuosa de parceria e de diálogo entre educador e educando. “Não há saber mais nem saber menos. Há saberes diferentes.” Os professores, evidentemente, têm mais tempo e mais conteúdo de escolaridade, mas não conhecem o mundo de quem vive com ou sem salário mínimo, em área de risco, à beira de esgoto a céu aberto. Essa vivência do real tem tanto valor, no processo educativo, quanto o lote de conhecimentos do professor. Esse processo, portanto, é respeitoso e criativo. Faz os dois pensarem, cada um com o que sabe, e a partir daí os dois examinam a realidade do mundo em que agem e como torná-lo melhor.

Capa de "Paulo Freire
ao vivo", lançado em
1983 pela Ed. Loyola
Essa abertura para mudanças sociais é que apavora certa gente que deseja uma educação neutra, politicamente asséptica. Quando Paulo Freire acentua “não há quem sabe mais ou sabe menos: há saberes diferentes”, fica indicado o caminho para uma transformação social, uma verdadeira revolução cultural. O professor muda seu jeito de ensinar e o aluno acorda para o seu próprio valor. A vida de ambos toma outra dimensão. Muda a prática cotidiana na escola, na família, no trabalho, na Igreja, na rua. Instaura-se a democracia real de respeito de todos por todos.

É dessa democracia que o Brasil precisa. Democracia que não é blablablá, mas o povo se valorizando e valorizado por uma educação que respeita o saber popular e, com isso, mostra que cultura não é só de gente estudada. Cultura é tudo o que uma pessoa faz no mundo, transformando-o, seja um tijolo, seja uma canção. Adulto abatido pelo desemprego e crianças com fome no banco da escola, todos, no íntimo, são seres querendo ser mais, podendo ser mais, devendo ser mais. Estariam errados?


Aldo Vannucchi é educador, professor de filosofia e escritor. Mestre em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e licenciado em Pedagogia, foi professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba (Fafi) e liderou o projeto de criação da Universidade de Sorocaba (Uniso), da qual foi o primeiro reitor, tendo exercido quatro mandatos consecutivos. Atualmente, é assessor especial da Reitoria e ouvidor da Uniso. É autor de 19 livros, entre eles: “Cultura brasileira: o que é, como se faz” (Loyola, 1999); “Deus e o diabo por trás das palavras” (Nankin, 2004); “Alexandre Vannucchi Leme: jovem, estudante, morto pela ditadura” (Contexto, 2014) e “Um padre diferente” (Eduniso, 2018).

13 de out. de 2018

O debate presidencial é possível (basta ter boa vontade e aceitar que o ótimo é inimigo do bom)



Se nós fizemos, com uma câmera apenas e recursos limitadíssimos na época, tenho certeza de que a Globo, a Record, a Band, o SBT também conseguem.


Por José Carlos Fineis


Eleição precisa de debate. 

O eleitor tem o direito e a necessidade de saber o que os candidatos pensam sobre assuntos importantes de governo e sociedade.

Compreendo que um dos candidatos esteja limitado fisicamente para comparecer a um estúdio, ficar horas em pé, submeter-se ao estresse tremendo que uma confrontação direta com o adversário representa.

No entanto, com criatividade, tecnologia e boa vontade, pode-se fazer o debate de maneira diferente, respeitando-se as limitações físicas do candidato.

É claro que o resultado não será o mesmo, porque perde-se a oportunidade de réplica e tréplica. Mas o ótimo é inimigo do bom. E o bom é melhor do que nada.

Pode-se definir uma pauta comum de perguntas, e designar duas equipes de jornalistas e técnicos para comparecerem, no mesmo horário, aos locais em que os candidatos estiverem, a fim de gravar as perguntas e as respostas, observando-se critérios rígidos de tempo.

Tudo isso, claro, sob a fiscalização de observadores de ambos os partidos.

Obviamente, os candidatos terão apenas uma chance de responder, e as perguntas serão, posteriormente, publicadas na íntegra.

Com um pouco mais de sofisticação, pode-se introduzir um bloco de perguntas entre os candidatos, definindo-se, por exemplo, que as perguntas de um candidato ao outro sejam encaminhadas pelos assessores às equipes responsáveis por colher as respostas, apenas dez minutos antes do horário marcado para as entrevistas (evita-se assim qualquer risco de vazamento e preparação prévia de respostas por assessores).

Em 1996, quando este escriba, a Sandra Nascimento e o Werinton Kermes produzíamos o programa "Extra! A Revista de Sorocaba na TV", os então candidatos Renato Amary e José Antônio Caldini Crespo negavam-se a debater entre si.

Nós então reunimos um grupo de jornalistas da área cultural, que era nosso foco, pedimos emprestado o auditório da saudosa Oficina Grande Otelo, e convidamos os candidatos para duas rodadas de entrevistas no mesmo dia, em horários diferentes. 

As regras eram simples e transparentes, e foram aceitas pelos candidatos. 

As mesmas perguntas, feitas pelos mesmos jornalistas. Só uma chance de responder. Tempo limitado para as respostas.

Depois editamos, sem cortar nada: a pergunta, a resposta de um, a resposta de outro.

Produzimos dessa forma uma espécie de debate virtual, e com isso abrimos a oportunidade de cada candidato expor suas opiniões e propostas para os temas abordados.

Se nós fizemos, com uma câmera apenas e recursos limitadíssimos na época, tenho certeza de que a Globo, a Record, a Band, o SBT também conseguem.

Se precisarem de uma forcinha, podemos ajudar, pois já temos know-how no assunto.

O que não pode é simplesmente não haver debate. 

O eleitor vai escolher baseado em quê? Em meia dúzia de palavras escritas por marqueteiros? Em memes e fake news espalhados pelas redes sociais? Em jingles bonitos e fotos dos candidatos abraçando criancinhas?

Ainda há tempo de acabar com esse impasse e proporcionar aos eleitores brasileiros a informação de que eles necessitam para votar conscientemente.

A fórmula está aí. Basta usá-la. Ninguém, como já se pôde constatar, está debilitado demais que não possa dar uma entrevista de duas horas no máximo.

O ótimo é inimigo do bom.

Se não dá pra fazer em estúdio, faça-se como as circunstâncias permitirem. Mas faça-se, porque eleição sem debate é eleição fake, fajuta, conduzida.

Debate já!

Debate agora!

Que os candidatos falem livremente o que e como pretendem fazer para entregar aos brasileiros aquilo que prometem.


(Foto: Pixabay)