22 de jan. de 2011



O leitor tem direito de saber quem exatamente são e o que fazem as pessoas que escrevem no jornal



Por José Carlos Fineis


Conheço dois articulistas de jornal (curiosamente, um de esquerda e outro bem de direita) que têm o péssimo hábito de esconder do leitor o que eles realmente são. Eles se apresentam ao final de seus artigos como jornalistas e mestres disso e daquilo, mas não informam o essencial: seu envolvimento pessoal, na condição de militantes, com organizações que representam ideologias e interesses políticos e/ou sociais muito pronunciados.

Ambos fazem de seus artigos espaços para discorrer sobre questões de fundo ideológico, o que torna a omissão do envolvimento pessoal ainda mais grave. Um é ligado a um partido; outro, a uma instituição religiosa ultraconservadora. O primeiro usa sua coluna com frequência para elogiar sua agremiação e criticar o partido adversário; o outro, aborda com um verniz pseudoético questões morais e sociais da religião a que pertence.

Sempre leio o crédito dos artigos, na esperança de que os autores (ou os jornais em que escrevem) tenham resolvido finalmente respeitar o leitor, e informar sobre o envolvimento pessoal, partidário e sectário desses dois. Isso, infelizmente, nunca aconteceu, seja porque eles querem que seja assim, seja porque os jornais, aparentemente, não se sentem mal em contribuir com a farsa. Na ausência dessa informação, perdi todo o interesse por seus artigos, pois creio que já nascem contaminados pela intenção de enganar o leitor.

O que somos e o que fazemos são coisas que devemos informar sempre, e mais ainda quando o que somos e fazemos tem relação direta com nossa forma de ver o assunto que analisamos. O envolvimento pessoal é visto, acertadamente, como elemento comprometedor da imparcialidade e da objetividade. Com propriedade, o público classifica as opiniões conforme a origem e lhes atribui pesos distintos: as que vêm de dentro das instituições, emitidas por militantes, sempre merecem menos confiança que aquelas emitidas por analistas independentes.

Os senhores a que me refiro se apresentam apenas como jornalistas e professores, habilitando-se dessa forma a receber do leitor a máxima confiança que tanto a primeira quanto a segunda profissão costumam inspirar. Porém, aberto o caminho, emitem opiniões que não são diferentes das opiniões dos militantes mais empedernidos, e que, da forma como são publicadas, têm uma chance grande de ser lidas e assimiladas como opiniões formuladas com autonomia, o que está longe de acontecer.

Não há dúvida de que ambos são jornalistas, como se apresentam. Mas não agem com ética jornalística em relação aos leitores, pois fazem do Jornalismo apenas um elemento de convencimento para projetar as crenças com que se envolveram. É uma pena que os veículos aceitem esse tipo de manobra e não se esforcem por esclarecer quem é quem. Não há problema nenhum em ser engajado e emitir opiniões, mas o leitor tem direito de saber quais interesses - pessoais, principalmente - influenciam na formação dessa opinião. Nesse jogo de falsas aparências, em que os motivos mais evidentes são ocultados, perde a sociedade, perde a informação.




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27 de dez. de 2010

Confiar cegamente em release, um erro sempre comum nas redações


Por José Carlos Fineis


Jornalistas que atuam nas redações deveriam ter duas atitudes em relação às assessorias de imprensa: respeito e precaução.

Respeito pelos assessores, que são colegas ganhando a vida numa função difícil e imprescindível - e, mesmo assim, desvalorizados, sobrecarregados e pressionados por clientes insaciáveis.

Precaução com os releases, e não porque não sejam, em princípio, confiáveis naquilo que informam, mas porque representam apenas um lado, e são redigidos dentro de limites estreitos impostos pela necessidade de divulgar fatos positivos.

Em minha vida profissional, tenho visto acontecer exatamente o contrário: esnoba-se o assessor, tratado geralmente como alguém que “depende” do veículo, mas confia-se cegamente nos releases, que - até por causa da correria e do excesso de serviço - acabam sendo publicados na íntegra e sem checagem.

Isso é péssimo para os jornalistas e pior ainda para o jornalismo, pelo risco de se repassar informações parciais e escritas sob uma ótica "otimista", que nem sempre é a mais realista.

Especialmente quando são citadas pesquisas e estatísticas, os releases devem ser vistos com reservas, pois há uma tendência natural das assessorias de valorizar os dados positivos e menosprezar, ou mesmo suprimir, os negativos.

Algumas vezes, isso pode falsear a informação. Dou o exemplo de um caso real.

O release (não importam o "onde" e o "quem"; isso já tem um bom tempo) dizia que a mortalidade infantil havia caído tantos por cento em relação a cinco anos atrás. Era uma boa notícia e foi dada como manchete de primeira página. Depois da publicação é que se desconfiou: por que o índice foi comparado com o de cinco, e não com o de quatro ou o de sete anos atrás? Os dados foram checados, e descobriu-se que cinco anos antes fora registrado um índice excepcionalmente alto, que destoava de toda a média histórica anterior e posterior a ele. E foi em relação a esse índice, justamente, que o autor do release optou por fazer a comparação, de forma que se evidenciasse uma redução impressionante. A opção acabou alterando a essência da notícia e gerando a impressão de uma grande redução na mortalidade infantil, quando o índice atual, na verdade, não era muito menor que a média histórica.

Quantas vezes não vemos releases informando que determinado serviço público atendeu tantas mil pessoas no mês passado? É um número solto no ar, sem qualquer relação de proporcionalidade que permita concluir se é bom ou ruim. Mas, se o número for alto (cem mil, duzentos mil), é possível que a informação seja dada com destaque pelos veículos. Números altos sempre impressionam.

Uma notícia como essa jamais deveria ser publicada sem que se procurasse levantar pelo menos duas referências fundamentais: 1) Em relação à média do atendimento e ao mesmo mês do ano passado, o número divulgado é maior ou menor? 2) Os atendimentos ocorreram num universo de quantas pessoas que procuraram o serviço? Há filas? Há lista de espera? Há gente voltando para casa sem ser atendida?

Número descontextualizados são armadilhas que mais enganam do que esclarecem. Somente comparações (quanto à evolução histórica da prestação do serviço e à demanda existente) permitem que se tenha a verdadeira dimensão - positiva ou negativa - do número divulgado. Por fim, é preciso lembrar que números podem ser grandes e bonitos, e até representar melhoras quantitativas, sem que reflitam uma melhoria efetiva no serviço prestado à população. Por exemplo: se o tempo médio das consultas nos postos de saúde for reduzido à metade, o atendimento irá aumentar, mas a qualidade do atendimento fatalmente irá cair. Uma boa reportagem nos locais de atendimento, em que os usuários sejam ouvidos sobre suas experiências pessoais, com certeza transmitirá ao público uma informação mais honesta sobre a realidade de um serviço público do que números, apenas.

O ideal é que o release seja visto como um ponto de partida, algo a ser complementado sempre que necessário, mesmo que isso implique não publicar a informação junto com os outros veículos que receberam a notícia. É preferível publicar depois, porém com mais profundidade e correção.




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10 de dez. de 2010

Quanto mais eficiente for o jornalista, mais indigesto ele será para o poder


Por José Carlos Fineis



O site WikiLeaks obrigou os jornalistas a uma reflexão radical sobre si mesmos. Uma reflexão indispensável sobre o quanto estão dispostos a ser eficientes em sua missão de informar e, consequentemente, de impor aos agentes políticos um grau de transparência que lhes é absolutamente embaraçoso e comprometedor.

Governantes, mesmo os mais democráticos, evitam a transparência.

E isso porque transparência, em última análise, significa o fim do caixa dois, dos superfaturamentos, das concorrências direcionadas, das contratações irregulares, do nepotismo, da impunidade, dos favorecimentos, dos acordos fisiológicos, dos pequenos e grandes vícios que fazem do poder político, em sua convergência com o poder econômico, um negócio eminentemente privado, quando deveria ser 100% público.

Ainda que nada disso exista, e que o político seja bem intencionado, sua tendência será sempre a de tirar proveito do jornalista, usando-o para divulgar aquilo que quer ver publicado, e que não é, necessariamente, o que precisa ser conhecido.

Logo, quanto mais o jornalista for eficiente e conseguir expor o que acontece nos bastidores da política e da administração pública, mais será desprezado por políticos e governantes.

O jornalista que assume integralmente um compromisso profissional com a sociedade deve saber que não terá amigos entre os poderosos. Sua missão é informar, e a qualquer momento, desde que não se faça de morto, sua capacidade de executar bem essa missão o colocará em rota de colisão com os que gostariam de vê-lo simplesmente copidescando releases.

Não é outro o motivo pelo qual Julian Assange foi jogado numa cela de cadeia, enquanto tantos repórteres e editores confraternizam com os agentes públicos, na qualidade de amigos e comensais do poder.

Embora muitos jornalistas se esforcem por não percebê-lo, o ensinamento bíblico de que não se pode servir a dois senhores se aplica perfeitamente a esta profissão.

Quem escolhe servir a sociedade exclui, invariavelmente, qualquer possibilidade de convivência amigável com o poder.

E quem escolhe ser amigo do poder afasta, automaticamente - na proporção inversa de seu envolvimento -, a possibilidade de ser útil para a sociedade.

O jornalista consciente de seu papel vai às festas a serviço, ou não vai. Trata as autoridades com educação, mas sem intimidades. Rejeita privilégios; não fura filas. Quer ser tratado nas repartições como qualquer cidadão. Não aceita descontos, declina polidamente das homenagens. E sabe recusar, com elegância, os presentes com que os poderosos tentam conquistá-lo.

Sei que é difícil renunciar a tudo isso. Mas o distanciamento em relação ao poder que seduz e alicia, seja ele político ou econômico, é condição elementar ao exercício honesto do jornalismo.




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