Jornalistas que atuam nas redações deveriam ter duas atitudes em relação às assessorias de imprensa: respeito e precaução.
Respeito pelos assessores, que são colegas ganhando a vida numa função difícil e imprescindível - e, mesmo assim, desvalorizados, sobrecarregados e pressionados por clientes insaciáveis.
Precaução com os releases, e não porque não sejam, em princípio, confiáveis naquilo que informam, mas porque representam apenas um lado, e são redigidos dentro de limites estreitos impostos pela necessidade de divulgar fatos positivos.
Em minha vida profissional, tenho visto acontecer exatamente o contrário: esnoba-se o assessor, tratado geralmente como alguém que “depende” do veículo, mas confia-se cegamente nos releases, que - até por causa da correria e do excesso de serviço - acabam sendo publicados na íntegra e sem checagem.
Isso é péssimo para os jornalistas e pior ainda para o jornalismo, pelo risco de se repassar informações parciais e escritas sob uma ótica "otimista", que nem sempre é a mais realista.
Especialmente quando são citadas pesquisas e estatísticas, os releases devem ser vistos com reservas, pois há uma tendência natural das assessorias de valorizar os dados positivos e menosprezar, ou mesmo suprimir, os negativos.
Algumas vezes, isso pode falsear a informação. Dou o exemplo de um caso real.
O release (não importam o "onde" e o "quem"; isso já tem um bom tempo) dizia que a mortalidade infantil havia caído tantos por cento em relação a cinco anos atrás. Era uma boa notícia e foi dada como manchete de primeira página. Depois da publicação é que se desconfiou: por que o índice foi comparado com o de cinco, e não com o de quatro ou o de sete anos atrás? Os dados foram checados, e descobriu-se que cinco anos antes fora registrado um índice excepcionalmente alto, que destoava de toda a média histórica anterior e posterior a ele. E foi em relação a esse índice, justamente, que o autor do release optou por fazer a comparação, de forma que se evidenciasse uma redução impressionante. A opção acabou alterando a essência da notícia e gerando a impressão de uma grande redução na mortalidade infantil, quando o índice atual, na verdade, não era muito menor que a média histórica.
Quantas vezes não vemos releases informando que determinado serviço público atendeu tantas mil pessoas no mês passado? É um número solto no ar, sem qualquer relação de proporcionalidade que permita concluir se é bom ou ruim. Mas, se o número for alto (cem mil, duzentos mil), é possível que a informação seja dada com destaque pelos veículos. Números altos sempre impressionam.
Uma notícia como essa jamais deveria ser publicada sem que se procurasse levantar pelo menos duas referências fundamentais: 1) Em relação à média do atendimento e ao mesmo mês do ano passado, o número divulgado é maior ou menor? 2) Os atendimentos ocorreram num universo de quantas pessoas que procuraram o serviço? Há filas? Há lista de espera? Há gente voltando para casa sem ser atendida?
Número descontextualizados são armadilhas que mais enganam do que esclarecem. Somente comparações (quanto à evolução histórica da prestação do serviço e à demanda existente) permitem que se tenha a verdadeira dimensão - positiva ou negativa - do número divulgado. Por fim, é preciso lembrar que números podem ser grandes e bonitos, e até representar melhoras quantitativas, sem que reflitam uma melhoria efetiva no serviço prestado à população. Por exemplo: se o tempo médio das consultas nos postos de saúde for reduzido à metade, o atendimento irá aumentar, mas a qualidade do atendimento fatalmente irá cair. Uma boa reportagem nos locais de atendimento, em que os usuários sejam ouvidos sobre suas experiências pessoais, com certeza transmitirá ao público uma informação mais honesta sobre a realidade de um serviço público do que números, apenas.
O ideal é que o release seja visto como um ponto de partida, algo a ser complementado sempre que necessário, mesmo que isso implique não publicar a informação junto com os outros veículos que receberam a notícia. É preferível publicar depois, porém com mais profundidade e correção.
* * * * *